Dienstag, November 11, 2008

Burrice da pior espécie

Outro dia, enquanto comia uma massa num restaurante local, não pude evitar de ouvir a seguinte conversa na mesa ao lado. Uma moça cheia de jóias, exalando seu forte perfume francês, dizia à amiga: “Paguei cinco mil na bolsa. Dei a maior sorte, foi uma superpromoção menina!”.

Saí do restaurante um tanto nauseada, não sei se pelo excesso de queijo no meu prato ou se pela frase que violentou meus ouvidos. Mas talvez o que tenha mais me chocado foi a resposta dada: “Mas uma bolsa dessas é tudo!”.

Pode até soar ao leitor que este diálogo seja típico de novela das oito, afinal, um país que têm 10% de suas crianças com menos de cinco anos sofrendo de desnutrição crônica e 30% de cidadãos vivendo abaixo da linha da pobreza, com até meio salário mínimo mensal (Fonte: Correio Braziliense, 14/11/2004), alguém achar normal gastar a “bagatela” de cinco mil reais em um acessório é, no mínimo, uma atitude de humilhação à condição social das classes mais empobrecidas.

Quero deixar bem claro que não sou comunista, Marx para mim não é nenhum Mestre, tampouco tenho o retrato de Fidel Castro na cabeceira da minha cama. Não é isso. O que me impressionou na conversa das “madames londrinenses” é o parodoxo que elas depositam nos valores materias e humanos. Lógica esta tão descabível que na saída do restaurante comecei a me perguntar se aquelas duas criaturas tinham alguma noção da realidade que as cerca por trás das redomas das vitrines das lojas caras e dos shoppings. (Aliás, shopping para mim é algo tão impessoal que me sinto um pouco "andrógina" andando dentro de um. Não gosto de locais onde as pessoas existem apenas com o propósito de consumirem e desfilarem com suas grifes como se estas fossem uma parte de seus braços ou uma extensão de seus corpos).

Voltando ao diálogo, o atento leitor poderá ainda me contestar dizendo que as madames fazem o que bem querem e entendem com o dinheiro de seus respectivos maridos, pois a elas lhes pertence. Mas é daí que justifico escrever este artigo e o título que lhe cabe: se o país ignora o próximo – no conceito mais espiritual do verbo “ignorar” – é porque uma burrice coletiva invade as classes mais abastastas, ou, porque não dizer, a limitadíssima elite e a hipócrita classe média “alta” (como dizia meu finado avô na época da inflação).

Limitadíssima porque – salvo Chico Buarque, Ariano Suassuna e um ou outro intelectual, político ou estudioso –, a esta classe não pertencem membros da inteligência do país. E quando me refiro à “inteligência”, incluo aqui as forças críticas e pensantes que contribuem para o crescimento da justiça social, da cultura e da harmonia no Brasil. Felizmente tal opinião não é minha exclusividade, pois como afirma o jornalista João Pereira Coutinho: “(...) ironicamente o Brasil não tem eleites. Tem antielites, incapazes de pensar o país como espaço comum”.

Quanto à hipócrita classe média “alta”, esta se move em passos de raposa em busca da presa: o sonho de status quo, de pertencer à elite. Hipócrita porque fingir ver “valores” na classe superior da qual corteja feito besta esfoemada de olho nos ovos “de ouro” da galinha. A mesma classe média que ambiciona o acúmulo de bens e os fetiches bregas da elite: fumar charuto em boates, ostentar camisa Polo, desfilar as cafonas bolsas Louis Vuitton.

Enquanto isso, ao cruzar a avenida em direção a meu carro – típico da crrrasse “média média”, ordinariamente média -, eis que se aproxima de mim um rapaz maltrapilho, negro, de dentição falha, mãos imundas e unhas encardidas e me pede um “trocadim”, pois havia “cuidado” do meu carro. (Pausa. Por um minuto penso: “Mas como é que alguém desnutrido e fraco assim proteje alguma coisa meu Deus?!”).

E como todo “bom” brasileiro tiro algumas moedas do bolso e dou ao moço uma quantia irrisória só para que ele me deixe partir e eu não tenha de ficar me lembrando da sua miséria estatelenate, pois a comida ainda pesa no meu bucho e a consciência também.

Volto para casa com a sensação de quem vive num mundo latente; intocável. Eu, limitada em minha dissimulada esmola; o rapaz, em sua pobreza material infinita; e as madames, paupérrimas de espírito, luz e amor ao próximo. Pois a meu ver, a burrice da pior espécie é a falta de amor.

P.S.: Tomando-se por base que uma cesta básica custa R$ 170,00, o valor gasto na bolsa da madame é o mesmo que 30 cestas.

by Marcele Aires

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