Freitag, Juli 07, 2023

Ser brasileira


Dia desses recebi um mail óóóóteeeemo de uma amiga. Depois de enviar um mail coletivo com um vídeo do “Iutubis” (versão Mussum) da Orquestra Contemporânea de Olinda, ela me escreveu perguntando como fazia para “passar a apreciar as coisas do Brasil”.

Disse que via que eu me dedicava a “divulgar o poder artístico de músicos, poetas, etc. do nosso país”, mas que sempre que recebia meus mails sentia: “Puta-que-o-pariu... Não agüento”.

No próximo parágrafo, ela comentava: “Mas eu me envergonho disso. Mas ao mesmo tempo, queria que me entendesse. Eu cresci ouvindo Bod Dylan, James Taylor e Beatles. Eu fui criada até os sete anos em uma escola de inglês americano. Eu não consigo me sentir Brasileira. Eu tenho solução?”.


Quando eu li esse e-mail, eu ri. Ri porque, em primeiro lugar, quem me escrevia é uma amiga muito inteligente, uma pessoa que escreve bem pra caralho, que também é poeta (eu sempre me recusando a dizer “poetisa”... Não gosto do feminino... Pra mim, todo mundo é “poeta”, seja macho ou fêmea...). Eu também ri porque ela é uma pessoa muito sincera; ela é de uma sinceridade pungente e por isso, muitas vezes, provoca até brigas ou discussões, pois na verdade nem todo mundo sabe respeitar a opinião alheia.


Mas eu respeito a opinião dela. E por isso resolvi criar esse post hoje. Respeito porque ela é sincera e fiel a suas mais verdadeiras preferências. Prefiro alguém assim, sincera, que não fique batendo no peito com a máscara nacionalista que reproduz, inconscientemente, o lema: “Sou brasileira, sou patriota”.


Se “ser brasileira” significa furar fila, levar vantagem, passar os outros pra trás, ler Paulo Coelho e achar que o mané é o máximo; se “ser brasileira” significa dar dinheiro ao Edir Macede e trupe; se “ser brasileira” significa chorar com a ridícula da musiquinha de comoção do Senna ou dançar o “Rebolation”, então eu prefiro ser de Marte, de Vênus ou da Eritréia.


Pra minha amiga, eu respondo o seguinte: nesse caso, eu prefiro que você NÃO tenha solução ao invés de virar esses “brasileiros” que em toda santa festa de formatura dançam “Hoje é festa lá no meu apê”, tirando fotos com aqueles fru-frus e aqueles óculos que tooooooooodo mundo tira, entre uma porção de imbecilidades, a exemplo de gastar litros e litros de água lavando a calçada da frente de casa ou ainda comprar uma bolsa “Luis Airão” (hehehe!!!) só pra mostar que tá podendo...


Minha amiga diz gostar de rock. Eu também amo rock, eu também cresci ouvindo Beatles. Mas os Beatles foram uma escolha minha. Aos onze, ganhei do meu pai uma fita cassete, eu gostei, depois fui atrás dos “menino bão” de Liverpool... Mas eu também cresci ouvindo forró. A família do meu pai no Nordeste só escuta forró, eles são nordestinos até o último fio de cabelo... São nordestinos do interior, e apesar de já morarem na capital há décadas e décadas, os costumes populares não saem deles... Acho que, em parte, esse meu lado de “brasilidade” ou de gostar de música do Brasil vem daí.


Eu amo samba. Amo. Quem me conhece bem sabe como eu fico “possuída” num samba. Não tem uma só vez que eu não vá a um samba e não volte com os pés em carne viva de tanto dançar. Já passo trezentos quilos de desodorante no “sovaco” porque eu sei que vou me acabar... Mas isso é algo que rebenta de mim, eu não tenho como controlar esse meu amor pelo samba. É um amo verdadeiro. Isso eu posso garantir ou o seu dinheiro de volta... Eu amo samba porque toda santa vez que escuto um tamborim eu quero sair “tiquidum”, porque toda vez que escuto a Clara Nunes e o Roberto Ribeiro cantando “Artifício”, eu acho aquilo a coisa mais linda do mundo...


http://sambadatenda.musicblog.com.br/22559/Roberto-Ribeiro-e-Clara-Nunes-Artificio/


E novamente eu respondo a essa minha amiga: se “ser brasileira” significa falar que gosta de samba, de Noel Rosa, de Cartola, de Chico ou de Paulinho da Viola só porque é “cult” dizer que gosta, então eu prefiro alguém que seja sincero o suficiente pra dizer “não agüento, eu prefiro rock”. Porque samba não se “comenta” como se conversa sobre um roteiro de cinema ou se aprecia como se curte um bom vinho... Há apenas duas opções quando o assunto é samba: “Ou você ama. Ou não”. Não tem coluna do meio.


Eu entendo, de verdade, que num país continental como o Brasil, quem é do Sul/Sudeste sinta estranhamento e não curta a Orquestra Contemporânea de Olinda, tampouco curta o Luiz Gonzaga, o Sivuca, o Mestre Salu, a Zabé da Loca, o Jackson do Pandeiro, o Chico Science, entre uma série de outros nomes... Do mesmo modo que, quem é do Nordeste, não ache graça em ouvir vanerão, moda de viola ou música do CTG...


É assim mesmo. Cada um curte aquilo que sente, cada um com seu legítimo “ópio”... O meu é samba. O da amiga em questão, rock em “ingrêis”. O do meu vizinho cujo cérebro é do tamanho de uma ervilha (tô supervalorizando aqui o tamanho do cérebro do cara...) é música moderna “sertaneja”, e assim vai... É como aquela velha e manjada letra do Caetano, “Cada um sabe a dor e a delícia, de ser o que é...”.


Eu acho, de verdade, que “ser brasileiro” está way beyond de gostar de um determinado ritmo; é algo muito maior do que ficar se pintando de verde-e-amarelo e saindo na rua pra protestar contra o Roriz e cambada, só pra aparecer na Globo e virar “geração consciente”.


Uma geração que dá índices de audiência para programas como o Big Brother e Pânico na TV jamais pode ser uma geração consciente.


E daí, realmente, eu prefiro a sinceridade do que o discurso hipócrita.


Por isso mesmo me ative a esse tema hoje.


Porque eu acho que a gente tem mesmo que refletir sobre o que é “ser brasileiro”. Para mim, “ser brasileiro” é trabalhar, é se lascar tentando arrumar o país do SEU jeito, contribuindo da sua forma... Não com doações em dinheiro, mas com trabalho voluntário, com vontade de ajudar a educar e a dar um futuro mais digno pra geração que aí vem... Pra mim, “ser brasileiro” é apresentar a uma criança ou a um adolescente “O Menino Maluquinho”, “O Pequeno Príncipe”, um livro de poemas da Florbela Espanca... Pra mim, “ser brasileiro” é perder seu valioso tempo tentando ajudar a qualquer pessoa que queira aprender, que queira sair do mundo limitado pela falta de educação e oportunidades... Pra mim, “ser brasileiro” é poupar água e energia, é ceder o lugar no ônibus aos mais velhos, é respeitar as filas, é não sair por aí com o volume do som do carro estourando só pra mostrar que comprou uma porcaria de uma caixa super mega ultra high technlogy (coisa brega!)... Pra mim, “ser brasileiro” é não expor os filhos em programas ridículos como o “Raul Gil”, mini-crianças que imitam a Lady Gaga e a Sandy... Pra mim, “ser brasileiro” é não pegar verba do Minc pra projetos pessoais, que em nada ajudam a divulgar a cultura à população, como tantos “intelectuááééés” por aí fazem...


E por aí vai...


Então eu reitero minha opinião: a diferença ou o estranhamento musical não são parâmetros para classificar o “grau de brasilidade” de ninguém. Eu amo o Cícero Dias. Amo. Mas não é porque você ama o Klimt que não é brasileiro o suficiente... É apenas uma questão de referencial, de admiração, de bater o santo.


Ser brasileiro é uma outra coisa...


E nesse caso, minha amiga, eu sei que você é uma pessoa do bem, que trabalha, que faz a sua parte. Então eu acho que você realmente não precisa se preocupar em “aprender” a gostar de certos ritmos ou artistas que eu gosto. Porque gosto é gosto e a gente não escolhe quem ama. A gente ama. E pronto. Quando a gente “escolhe” ou se “esforça” para gostar, é porque não ama.


Pra acabar o mail, eu deixo aqui dois ritmos que amo. Diferentes, mas que são amores meus e que em nada me fazem “mais ou menos brasileira”, mas que fazem com que eu seja apenas essa pessoa que eu sou:

http://www.youtube.com/watch?v=Uax_rK7zC3M


http://www.youtube.com/watch?v=GEQpipS_qfc

O início de um possível "MEMOIR"

Já faz um tempo que tenho pensado em registrar minhas experiências durante os anos pandêmicos. Na realidade, já comecei esse so-called "memoir" e durante alguns dias minha memória deslizou por palavras, sentenças longas, outras enxutas, e até que rendeu umas 20 poucas páginas de caderno pautado. E gosto de escrever à mão. Não sei explicar o porquê, talvez escrever de modo old school me remete ao que está plantado no meu inconsciente. Fui criança nos anos 80, adolescente no início dos 90 (incluindo anos iniciais de faculdade). Essas eram época pré-Google, pré-Wikipedia, pré-CHATgpt. Então escrevíamos. Pelo menos eu copiava páginas e páginas da Barsa, Mirador, Enciclopédia Britânica e do Tesouro da Juventude. Se contar para a geração ZOOMER, eles não acreditarão que copiávamos provas à mão, por minutos ou horas, para somente depois começar a resolver os exercícios. E quanto ao memoir, ou o possível memoir, terei que fazer um disclaimer de que não poderei escrever partindo do ponto de vista de quem perdeu um ente querido por Covid, pois isso não aconteceu na minha família. Não poderei escrever de um ponto de vista de quem teve a doença, porque isso também não me ocorreu. Escreverei da perspectiva de uma professora que sou, e que mesmo já acostumada com o ensino à distância desde 2007, eu, professora vi e vivi coisas inéditas, inusitadas, quase que surreais pois todos os alunos brasileiros e os professores tiveram que transformar suas casas em ambiente escolar. Foi um caos para todos, já que as papelarias também foram obrigadas a fechar. Tivemos menos de 2 semanas para montar um sala-de-aula em nossas casas, aprender a lidar com redes sociais, plataformas das escolas, equipamentos de gravação e edição de videoaulas. Se contar, todas as terminologias que as professoras do ensino infantil não estavam familiarizadas. E para os pais? Pobre dos pais que tiveram que virar pedagogos, alfabetizadores, professores de idiomas estrangeiros, entender de física, química orgânica, citologia e fazer as crianças prenderem suas atenções para uma tela, que antes só serviam para eles ver vídeos ou jogar seus games eletrônicos. Me recordo que, para mim, tudo começou em março de 2020 e foi se dissolvendo em meados de 2022. Mas enfrentamos consequências de muita defasagem, de muito trauma, de um desconforto que, ao meu ver, foi totalmente desnecessário. Pessoas morreram, anyway. Pessoas foram intubadas, anyway. Pessoas perderam demais com a falta do contato social. Eu recomecei terapia por conta de tudo isso. Conhecidos meus se mudaram para cidades menores para fugirem das aglomerações das metrópoles. Eu conheci o rosto de muitos alunos novos, somente dois ou três anos depois, por conta do uso obrigatório das máscaras (outro absurdo). Vou recuperar o meu caderno pautado, começar a digitar os capítulos que já engrenei com letras tortas cursivas. Espero um dia concluí-lo. July 7th, 2023